A questão era: “Quanto tempo eu tenho que namorar com o meu companheiro antes de poder processá-lo?” Deduzi que a moça estava tentado saber quanto tempo de convivência seria necessário para caracterizar seu relacionamento como uma união estável, o que poderia lhe dar o direito de, em caso de separação, ingressar na justiça para reivindicar metade dos bens que o casal adquiriu durante a relação. Pude perceber que esse tipo de equívoco indica total desconhecimento do que vem a ser uma união estável.
E o que é pior: sugere uma visão mercantilista do relacionamento, visto não como a união de duas pessoas que se amam e que querem compartilhar suas vidas, mas como uma forma de obter vantagens futuras. Esse tipo de atitude contribui para criar um certo estigma em torno da união estável. Não são poucas as pessoas que temem aprofundar seus relacionamentos devido ao receio de que, cedo ou tarde, o parceiro ou parceira possam levá-las à justiça, exigindo parte de seus bens.
Por esse motivo, é de extrema importância esclarecer o que é e o que não é a união estável. Comecemos com o que ela não é. A união estável não é uma forma de golpe ou de trambique que permite a alguém, após algum tempo de convivência, apropriar-se indevidamente dos bens do parceiro. O reconhecimento desse tipo de relacionamento, introduzido pela Constituição de 1988 e posteriormente regulamentado pelo novo Código Civil de 2002, surgiu com um propósito legítimo, o de corrigir uma injustiça.
São essas provas que a diferenciam de outros tipos de relação, como um caso amoroso, um “casamento aberto” ou dois namorados que se relacionam sem maiores compromissos, embora possam até, eventualmente, partilhar o mesmo teto. Para que haja união estável, é necessário que ambos os parceiros não possuam impedimentos ao casamento, isto é, não podem ser casados com outras pessoas (com exceção dos que estão separados de fato ou judicialmente); os ascendentes com os descendentes; os parentes afins em linha reta; quando houver vínculo de adoção; os irmãos unilaterais ou bilaterais e demais colaterais até o 3º grau. Também é preciso que a relação seja monogâmica, pública, duradoura e com o objetivo de constituir família – ainda que o casal não tenha filhos.
A lei não estabelece um tempo mínimo para que o relacionamento seja considerado uma união estável. Contudo, como a relação deve ser duradoura, cabe ao juiz decidir se o período de tempo ao longo do qual o casal conviveu preenche essa qualificação. Partilhar o mesmo teto não é uma exigência absoluta. Mesmo que o casal, por um motivo ou por outro, viva em casas separadas, ainda assim é possível que sua união seja reconhecida, desde que os demais requisitos sejam cumpridos.
Como se vê, união estável é assunto sério. Quem contribuiu para a aquisição de bens durante a união – seja por meio de trabalho remunerado, seja por sua atuação no lar – não ficará desamparado em caso de separação ou de falecimento do companheiro. Por outro lado, os que acham que qualquer relacionamento poderá, no fim, servir para engordar indevidamente sua conta bancária, terão suas expectativas frustradas pela correta aplicação da lei.
Por:
São Paulo (SP)
Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo em 1978. É advogada militante em São Paulo, especialista em Direito de Família e Sucessão, consultora jurídica, professora, palestrante e escritora. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família – CDFAM da OAB/SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Foi Juiza do Tribunal de Impostos e Taxas de SP - TIT
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